Caminhos da Reportagem, da TV Brasil, debate uso excessivo de telas
O Caminhos da Reportagem inĂ©dito que a TV Brasil exibe nesta segunda-feira (7), Ă s 23h, discute como o uso exagerado de dispositivos eletrĂ´nicos tem afetado a capacidade de atenção. O episĂłdio “As telas na era da desconexĂŁo” debate como as redes sociais capturam o foco e quais os efeitos delas principalmente entre crianças e adolescentes, e tenta responder a pergunta: Ă© possĂvel ter uma relação saudável com as telas?
SĂŁo mais de 480 milhões de dispositivos digitais em uso – uma mĂ©dia de 2,2 aparelhos por habitante, segundo levantamento da Fundação GetĂşlio Vargas, FGV, divulgado em junho de 2024. A revolução tecnolĂłgica do final do sĂ©culo XX e inĂcio do sĂ©culo XXI colocou em nossas mĂŁos aparelhos que transformaram o modo em que vivemos, mediando praticamente todas as atividades presentes em nossas rotinas.
As telas, presentes em smartphones, tablets e outros dispositivos digitais, nos oferecem um fluxo constante – quase infinito – de informações e conteĂşdos que se renovam a todo momento. É impossĂvel absorver tudo isso. De acordo com o psiquiatra Pedro Pan, “fomos evoluindo como sociedade, nessas Ăşltimas dĂ©cadas, fomos assumindo muitas tarefas e tentando tocar várias coisas ao mesmo tempo. E, na verdade, a percepção Ă© que o cĂ©rebro nĂŁo conseguiu acompanhar toda essa ideia e tudo que a tecnologia trouxe para a gente de possibilidade”.
E as grandes empresas de tecnologia sabem disso. Quanto mais tempo gastarmos com redes sociais, por exemplo, mais fácil para elas de capitalizar. “Para vocĂŞ prender cada vez mais a atenção das pessoas, vocĂŞ precisa de produtos que viciam as pessoas. A gente tem que ter em conta que o que as plataformas querem, o principal modelo de negĂłcio das plataformas Ă© o engajamento”, afirma o diretor executivo do NĂşcleo Jornalismo, SĂ©rgio Spagnuolo.
A atenção humana Ă© um produto – um negĂłcio bilionário, que acaba por produzir efeitos significativos em nosso cĂ©rebro. ĂŤndices de casos de ansiedade explodiram no mundo – nĂŁo apenas pelo efeito isolado da revolução digital, Ă© claro, mas eles seguem em paralelo ao aumento do nĂşmero de dispositivos mĂłveis em nossos bolsos e mĂŁos. A oferta interminável de conteĂşdo ultrassegmentado e fragmentado vem destruindo nossa capacidade de concentração. Será que conseguimos nos lembrar de algo que nos chamou a atenção na internet hoje? Será que formei alguma memĂłria a respeito do que vi no meu feed na rede social?
Leonardo Ramos Ă© estudante de histĂłria e assume que o uso excessivo de telas tem prejudicado sua vida. “A gota d’água, quando eu percebi que eu realmente estava dependente, foi na Ă©poca de vestibular. No segundo ano do Ensino MĂ©dio eu estava tentando estudar por fora. E todo dia eu falava: ah, vou estudar fĂsica. Quando eu via, meu dia já tinha acabado”, diz. O estudante já chegou a ficar 14 horas conectado ao celular, vendo vĂdeos e redes sociais.
Com os celulares cada vez mais presentes, as telas estĂŁo fisgando as crianças cada vez mais cedo, em estágios cruciais para o seu desenvolvimento. Um estudo do Cetic, ĂłrgĂŁo vinculado ao ComitĂŞ Gestor da Internet no Brasil, revelou que quase metade das crianças de zero a dois anos – 44% delas – já tem acesso Ă internet. Depois da pandemia do Covid-19, o nĂşmero de crianças com idades entre seis e oito anos que tĂŞm seu prĂłprio telefone celular quase dobrou. Passou de 18% para 36%.
Esse uso precoce de telas por muitas horas traz preocupação, como ressalta o pediatra e presidente da Associação Brasileira de Pediatria, ClĂłvis Constantino. “Se ela estiver muito exposta Ă s duas dimensões, uma tela, sem oferta da interação social, da interação com os pais, da interação com a natureza, com o meio ambiente, porque ela exagera ou foi ofertado a ela inadequadamente as telas, ela vai ter prejuĂzo no seu desenvolvimento psĂquico, social. Os primeiros anos de vida sĂŁo fundamentais para que haja um bom desenvolvimento neuromotor ou nĂŁo. E as telas? Oferecidas de maneira inadequada influenciam negativamente nesse desenvolvimento”, afirma.
Nas escolas, o uso de celulares distrai e prejudica o aprendizado, ao mesmo tempo em que inibe as experiĂŞncias de socialização. Diante desse cenário, especialistas recomendam limites diários no tempo de uso de celulares por crianças e adolescentes - alguns defendem atĂ© que eles nĂŁo tenham acesso a dispositivos com redes sociais nessa idade. No inĂcio deste ano, foi sancionada uma Lei Federal que proĂbe o uso de eletrĂ´nicos portáteis nas escolas pĂşblicas e particulares de ensino – inclusive nos recreios e intervalos entre as aulas. A medida exige diálogo com a comunidade escolar e adaptações que nĂŁo sĂŁo simples de se implantar, afinal, nossas vidas dependem dos celulares – e os jovens sequer chegaram a conhecer um mundo em que nĂŁo tivessem todos os recursos eletrĂ´nicos Ă disposição.
Isabella Gobbo estuda em uma escola estadual de SĂŁo Paulo e tem 17 anos. Ela assume que o celular nas escolas atrapalhava. Mas está com dificuldades para limitar o uso quando chega em casa, depois de tantas horas sem o aparelho. “Quando eu chego em casa, eu poderia usar aquele tempo para botar, sei lá, matĂ©ria em ordem e essas coisas assim, fazer trabalho. SĂł que como eu fiquei o dia todo sem usar (celular), eu acabo usando esse tempo que eu estou na minha casa para compensar o tempo que eu nĂŁo fiquei no celular”, confessa.
Para a diretora de uma escola particular de SĂŁo Paulo, Cláudia Tricate, o desafio de “desmamar” os adolescentes Ă© um longa tarefa e que impactou tanto os alunos como os pais. “Para mim o maior de todos os efeitos foi perceber o drama que Ă© para os adultos e para crianças e adolescentes nĂŁo dar notĂcias. Eu fiquei impactada com o quanto aquilo foi pesado para as famĂlias e para eles. Porque as famĂlias, atĂ© entĂŁo, achavam Ăłtimo. Meus filhos vĂŁo ficar longe das telas. Mas na hora que aconteceu, eles falavam: mas como que eu falo com eles? Como eu faço agora? Como que eu vou saber se eles nĂŁo estiverem bem?”.
Ficha técnica
Roteiro: Acácio Barros
Produção: Acácio Leal e Ana Graziela Aguiar
Apoio operacional à produção: Lucas Cruz
Reportagem cinematográfica: JM Barboza e Raul Cordeiro
Apoio à reportagem cinematográfica: Jefferson Pastori
AuxĂlio tĂ©cnico: Jone Ferreira, Rafael Carvalho e Wladimir Ortega
Colaboração técnica: Eduardo Domingues
Edição de texto: Ana Graziela Aguiar
Edição e finalização de imagens: Rodrigo Botosso
Pesquisa de acervo EBC-SP: Fábio de Albuquerque
Assessoria: Maura Martins
Artes: Aleixo Leite, Caroline Ramos e Wagner Maia
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